Economia Solidária no Brasil: contexto histórico, avanços e obstáculos

Maio 24, 2020
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No Brasil, os processos de industrialização e de urbanização acabaram por estruturar um mercado de trabalho que refletia em desníveis econômicos e sociais. Este fato acarretou em situações como a inexistência de trabalho assalariado para todos, a diferenciação e seletividade em relação ao gênero, escolaridade e grupos socioprofissionais.

Os processos de exclusão causados pelo capitalismo e os níveis de desemprego crescentes contribuíram para que, a partir da década de 90, as experiências e práticas de Economia Solidária crescessem. Logo, essa lógica econômica era vista como um meio de promover o trabalhador à sujeitos nos processos econômicose produtivos, calcada em elementos como solidariedade, gestão coletiva, cooperação, entre outros. Emanam então, diferentes formas organizadas de geração de trabalho, renda e busca pelos direitos de cidadania,como cooperativas, associações, clubes de troca, entre outras.

O cenário político e econômico dos anos 90 propiciaram um debate teórico sobre as práticas de Economia Solidária, bem como sobre o lugar que ocupava e deveria ocupar, seus limites, possibilidades e seu processo de institucionalização necessário para legitimá-la e reconhecê-la. Contudo, se tinha a preocupação dos movimentos sociais de que essas experiências econômico solidárias perdessem autonomia frente ao mercado, assim esses visavam também a emancipação social.

Diferentes momentos marcaram o crescimento e disseminação da Economia Solidária no país, desde o surgimento da ANTEAG, Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão. Essa foi criada a partir da necessidade dos trabalhadores de empresas em falência, assumirem a produção e administração de forma coletiva, garantindo a remuneração mínima. Outro marco, é a criação das ITCPs, Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares como meio de apoio administrativo, jurídico, de formação política, pedagógica, e etc, visando a troca efetiva de conhecimento entre Universidades e empreendimentos econômicos solidários. Essas, por sua vez, expandiram o trabalho voltado a Economia Solidária através da criação das Redes de ITCPs, ampliando os estudos e pesquisas dessas práticas.

Ao longo dos anos, ocorreram diferentes debates e eventos em torno do levantamento de questões a serem refletidas quanto à viabilidade dos empreendimentos econômicos solidários, a dinâmica de trabalho, a abrangência e rumos que se tomaria, além das diferentes críticas à alternativa econômica. Logo, inúmeras entidades, movimentos da sociedade, grupos de trabalhadores, entre outros, se tornaram apoiadores e disseminadores da Economia Solidária.

Em 2000 foi constituída a UNISOL, Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, no intuito de defender interesses da classe trabalhadora, melhorando as condições de vida e trabalho. No mesmo ano a CUT, Central Única dos Trabalhadores, lança a Agência de Desenvolvimento Solidário, visando organizar e fomentar o desenvolvimento local em diferentes regiões do país.

Em 2001, ocorre o I Fórum Social Mundial (FSM) o qual abordou sobre a Economia Popular Solidária. Diante disso, começam as discussões sobre a criação de políticas públicas para apoiar as diferentes demandas sociais e alavancar a Economia Solidária.Logo, referências como o economista Paul Singer surgem, através das discussões e reflexões sobre a chama outra economia. Por meio do I Fórum foi legitimado um Grupo de Trabalho de Economia Solidária (GT Nacional) que, a partir de então,passou a ser o centro de mobilização para uma sequência de iniciativas políticas pensadas para configurar o movimento.

Já no II Fórum Social Mundial, foi realizada uma Conferência de Economia Solidária. Onde o GT Nacional propôs a estruturação do chamado, Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Esse processo de debate e mobilização deu origem às Plenárias Nacionais de Economia Solidária (PNES), assim, tanto a realização de plenárias quanto  a elaboração de um documento de “Princípios da Economia Solidária” foram elementos de discussão, esse último visando orientar os movimentos e experiências, além de apoiar a ampliação dessas alternativas.

Dessas plenárias surge a proposta de criação de órgãos específicos e governamentais para organizar, fomentar e reconhecer a Economia Solidária como prática social e fator de geração de renda e trabalho, além de ser instituído o FBES. Para tanto, a partir do III FSM em 2003, abre-se um espaço para a Economia Solidária dentro do governo com o objetivo de garantir um ambiente que fosse mais favorável aos empreendimentos, em termos de políticas públicas. Em seguida, foi discutido sobre a inserção de políticas públicas para a Economia Solidária na plataforma de governo e como resultado foi formada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) dentro da estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

A Senaes constituiu-se como um caminho para a interlocução permanente entre os setores do governo e da sociedade civil que atuavam e atuam em prol da Economia Solidária, apresentando diretrizes, formas de acompanhamento e execução de ações no âmbito de uma política nacional crescente. Contudo, diante de diferentes contextos políticos, a Senaes foi passando por mudanças estruturais. Em 2016, no governo de Michel Temer, ela se manteve vinculada ao MTE, porém passou a ser uma subsecretaria acarretando na diminuição significativa de orçamentos, além de restringir as políticas de apoio e fomento.

Em 2019, após publicação de medida provisória o Governo reorganizou os ministérios e a pasta que trabalhava a Economia Solidária foi transferida para o chamado Ministério da Cidadania. Logo após, por decreto o nº 9674 de 2 de janeiro de 2019 que detalhava a estrutura e cargos do Ministério da Cidadania, a Senaes foi extinta, contudo o governo opta por manter o Conselho Nacional de Economia Solidária. Mesmo com a exclusão da Senaes ela deixa seu legado de grandes mudanças no cenário da Economia Solidária e instaurou em movimentos sociais e empreendimentos a necessidade de continuar disseminando a Economia Solidária.

É necessário então reconhecer a grande importância das experiências econômicas solidárias que ao longo dos anos alavancaram e se tornaram significativas ao cenário econômico, político e social. Atualmente,no Brasil,a Economia Solidária movimenta cerca de R$ 12 bilhões ao ano, tendo mais de 20 mil empreendimentos cadastrados no país, baseados na solidariedade, igualdade e autogestão.

Entretanto, diante de tantos obstáculos, agentes propulsores da Economia Solidária não param de agir em torno do reconhecimento dessas práticas. Neste contexto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou em fevereiro deste ano, uma proposta de emenda à Constituição que inclui a Economia Solidária entre os princípios da ordem econômica nacional. A inclusão na Constituição Federal é fundamental para que se torne efetivamente uma política de Estado, e não apenas de governo, e assim faça parte dos princípios da ordem econômica.

A Incop, tendo suas atividades fundamentadas nos princípios da Economia Solidária, visa disseminar e apoiar os avanços das experiências coletivas que trabalha, onde os empreendimentos devem ser agentes propulsores de desenvolvimento local e da lógica de uma economia democrática e solidária, capaz de colaborar para que o indivíduo se torne sujeito do seu processo histórico.

 

Referências

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